sábado, 7 de junho de 2014

ENTREVISTA Josef Schovanec: “As pessoas com autismo podem ser uma mais-valia para a sociedade” NICOLAU FERREIRA 07/06/2014 --- Público -

É o primeiro autista francês a publicar um livro. Nele conta a sua experiência de vida e defende que todos os autistas devem ir à escola, só assim é que podem aprender as regras sociais e a integrar-se na sociedade.


Josef Schovanec, 32 anos, diz “estar a leste”. Este francês com síndrome de Asperger, uma forma de autismo, escreveu o livro Je suis à L’Est!. O título é um trocadilho entre estar alheado, uma característica associada aos autistas, e o facto de ter escrito parte em Samarcanda, no Uzbequistão. A Oficina do Livro edita-o agora com o título Sou Autista — O Extraordinário Testemunho de Um Génio à Parte. O humor do título original não só percorre o livro como polvilhou esta entrevista dada em Lisboa.
Na obra, Josef Schovanec conta as dificuldades que teve na escola e que continua a ter no dia-a-dia, numa sociedade que ainda não está preparada para integrar os autistas. Ele estuda religiões e dá conferências sobre o autismo.Com um desenvolvimento anormal do sistema nervoso central, estas pessoas têm dificuldades de interacção social, de desenvolvimento da linguagem, comportamentos repetitivos e apegam-se às rotinas. Mas, ao defender que os autistas são importantes para a sociedade, o francês transformou a conversa com o PÚBLICO num elogio à diferença.
Nasceu em França. Pode falar um pouco das suas origens?
Nasci em França, mas sou um viajante. Costumo viajar até ao Médio Oriente, pois fiz estudos religiosos sobre o islão. Para falar sobre o autismo, viajo bastante em França, onde há um grande atraso na integração dos autistas.
Historicamente, as pessoas com autismo eram fechadas em instituições de saúde mental. Defendo uma revolução cultural, as pessoas com autismo ou com outras incapacidades devem ter uma vida autónoma, um trabalho, a sua própria casa. É por isso que nos últimos dez anos tenho saltado de lugar em lugar para falar sobre autismo. Cerca de 1% da população tem uma forma de autismo, é muita gente.
O que se faz com estas pessoas? Como é que as tornamos produtivas? Como é que lhes damos um papel na economia?
Há vários graus de autismo. A sociedade tem de ter a mesma fórmula para toda a gente?
Durante décadas, mesmo os grandes médicos e especialistas acreditavam que as pessoas com autismo tinham algum tipo de limitações mentais. Pode ser verdade nalgumas circunstâncias. Mas a razão principal para isso é que as crianças com autismo não vão à escola. Imagine uma criança que não vai à escola. Como é que pode aprender as coisas? Como é que pode conhecer a cultura onde está inserida? Acredito que quase 100% das crianças com autismo podem ir à escola. Nos Estados Unidos, 80% das crianças com autismo frequentam as escolas normais. Na Dinamarca são quase 100% das crianças com autismo. Claro que pode haver alguns desafios, tem de se criar um ambiente escolar para estas crianças.
Que tipo de ambiente é esse?
Numa sala com alunos com autismo, um barulho como este [Josef Schovanec bate as mãos com força] pode matar a capacidade de pensar das crianças. Elas são interrompidas por este som estridente e deixam de saber o que fazer. Tem de se criar um ambiente sossegado. É preciso também um ambiente sem demasiada luz. Muitas crianças ou pessoas com autismo são sensíveis à luz. Se há muita luz não conseguem concentrar-se naquilo que estão a fazer.
As crianças com autismo necessitam também de aprender todas as regras sociais, o que se chama “currículo oculto”. Por por exemplo, como se diz “olá”. Pode parecer muito fácil para uma pessoa sem autismo, mas para quem tem autismo é um grande desafio.
Porquê?
Há partes do cérebro humano que estão especialmente feitas para as relações com as outras pessoas. Mas as pessoas com autismo podem ter algumas dificuldades nisto, têm de aprender exactamente o que devem fazer. As regras têm de ser claras e leva tempo até a criança aprender como se deve comportar.
Se uma criança aprende a dizer “bom dia senhor” como se fosse um “olá”, chega à escola e vê um colega de sete anos e diz “bom dia senhor”. Mas não se diz “bom dia senhor” a uma criança. Estes são desafios que uma criança com autismo enfrenta e o professor tem de estar informado sobre o autismo, senão nada funcionará.
Quando alguém vai a uma loja no Reino Unido ou nos Estados Unidos e diz “olá, tenho síndrome de Asperger”, toda a gente sabe o que isso é e tem uma boa impressão. Ser um Aspie [diminutivo para alguém com síndrome de Asperger] é algo quase positivo. Uma pessoa com autismo não é menos dos que os outros, somos apenas diferentes. As pessoas com autismo têm capacidades, têm algo a dar. Não são só pessoas caras para os Estados e um fardo para a sociedade. Os autistas podem também ser uma mais-valia, a questão é como é que se faz isso. A empresa alemã de software SAP decidiu no ano passado contratar centenas, ou talvez milhares, de trabalhadores com autismo por serem mais produtivos.

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