sexta-feira, 14 de novembro de 2014

Que foi feito de Rodrigo, João, Afonso e Alexandru? Diário do Alentejo

24-10-2014 9:33:16

Passou um ano. Que foi feito de Rodrigo, João, Afonso e Alexandru? Quatro crianças com Necessidades Educativas Especiais. Há um ano os pais destas crianças reivindicavam mais condições de ensino para os seus filhos, em Beja. O ano letivo arrancou novamente, em setembro. E com ele o que mudou para estes alunos? Qual o seu estado de saúde, os seus progressos? E as reivindicações dos seus pais persistem? Rodrigo, João, Afonso e Alexandru. Um ano depois.

Texto Bruna Soares Fotos José Ferrolho

Fé. “Não sei como nunca me faltou. Como nunca me abandonou, mas tive-a sempre”. Albertina Guerreiro agarra-se a esta crença inabalável, quando a vida se complica, quando as provações dos dias chegam. Fé. “Tenho muita e é ela que não me deixa desistir, pelo meu Rodrigo”. O seu “menino”, como lhe chama, completou sete anos, tem Necessidades Educativas Especiais (NEE) e frequenta o ensino regular, em Beja.
Distrofia muscular foi o que há anos o diagnóstico clínico revelou e é o que ainda o inibe de falar fluentemente e lhe reduz a visão. Rodrigo Dores, porém, já chega a escola pelo seu próprio pé. A cadeira de rodas ficou lá atrás, “no passado que não se quer presente”, como diz a mãe. “Melhorou muito, o Rodrigo está muito melhor, está muito desenvolvido. Já anda, coisa que ele não fazia. Na fala é que ainda está muito atrapalhado”, comenta Albertina Guerreiro, à porta da escola que o filho frequenta, numa tarde de outono, que mais parece de verão. O sol a pique e nem um sopro de vento. 
Há um ano, aquando dos protestos de vários pais, em Beja, que reclamavam do atraso nas aprovações dos planos de ação e financiamento dos Centros de Recursos para a Inclusão (CRI), por parte do Ministério da Educação e da Ciência (MEC), o que condicionou a colocação de técnicos nas escolas, Rodrigo envergava uma camisola onde podia ler-se: “Onde estão os meus terapeutas?”. 
“Os técnicos do Rodrigo foram colocados recentemente, não vieram logo no arranque do ano escolar, como era de esperar. Acontece que o meu filho só tem uma hora de fisioterapia por semana e praticamente o mesmo de terapia da fala. Isto é muito pouco para as suas necessidades. Este ano, por isso, está ainda pior do que o ano passado”. É este o diagnóstico que Albertina Guerreiro faz. 
“A aprovação dos planos de ação do CRI, que seria desejável ocorrer no máximo em meados de agosto, no sentido de se fazer a preparação atempada de horários com os agrupamentos, no presente ano letivo só ocorreu no dia 17 de setembro. Os técnicos foram contratados no início de outubro”, refere, por sua vez, Elsa Silvestre, responsável pelo CRI do Centro de Paralisia Cerebral de Beja. Recorde-se que é este CRI que tem como área de abrangência os concelhos de Beja, Cuba, Alvito, Vidigueira, Ferreira do Alentejo, Aljustrel e Serpa. 
“Comparativamente ao ano transato houve uma redução significativa no financiamento para os técnicos e, simultaneamente, um aumento de número de alunos para apoio, que totalizam 267 alunos”, diz Elsa Silvestre. E isto acontece porque, segundo a técnica do CRI, “o MEC estipulou o número de minutos semanais de apoio para cada aluno (Exemplo: Nome do aluno, 30 minutos de Psicologia, 30 minutos de Terapia da Fala, 45 minutos de Fisioterapia), o que é manifestamente insuficiente face às reais necessidades de cada um deles. Existem ainda alunos que não foram contemplados, embora tenha sido identificadas as suas necessidades de apoio na candidatura elaborada”. 
Passou um ano e o ano letivo arrancou novamente com muita contestação no País, que ainda perdura por parte de professores, pais e alunos. “O início do ano letivo 2014/2015 está a ser o mais conturbado de que há memória, com especial relevância para a colocação de professores. Uma situação que está a afetar muito a educação especial e a organização desta resposta educativa”, considerou a Federação Nacional de Professores (Fenprof), em comunicado enviado. 
Nuno Crato, ministro da Educação, por sua vez, prometeu no final de uma audição parlamentar de Educação que “o próximo ano letivo será preparado de forma mais atempada do que o habitual”, admitindo falhas de planeamento na colocação de professores. E reforçou: “Não vamos fazer experimentalismos na preparação do próximo ano letivo”. 
 “O Rodrigo passou a andar e acreditamos que é preciso manter este processo e que é preciso investir na terapia da fala, porque o Rodrigo pouco diz e quem sabe se não poderá melhorar? E que fazemos agora?”. 
Sofia Monteiro também não tem resposta para esta pergunta, nem para tantas outras. Há um ano reclamava por mais direitos para o seu filho, portador de uma doença rara, síndrome Dravet. Sofia é a mãe de João Guerreiro, agora com oito anos, e volta a sentar-se, passado um ano, para explicar novamente a situação. “O ano passado já tinha sido um ano de grande redução em relação aos apoios que tinham sido dados anteriormente. Este ano a redução é superior”.
A integração na escola sempre ajudou João a “modelar os comportamentos certos”. “Ainda estamos a avaliar se há perdas, estes primeiros 15 dias vão ser para isso mesmo, para vermos como está em relação ao fim do ano letivo passado, uma vez que os técnicos não foram logo colocados no arranque do ano escolar. O plano do João para este ano só começará a ser desenvolvido depois desta avaliação, daqui a duas, três semanas. Miúdos que já estão em desvantagem, que depois têm uma série de agravantes comportamentais, mais a parte clínica da doença e todas estas situações a afetar, são, de facto, muito prejudicados no seu percurso, nos seus direitos”. 
À semelhança do ano passado, Sofia Monteiro também se queixa do facto de João estar inserido numa turma com mais de 20 alunos. “O João tem currículo específico, que diz que tal não pode acontecer, e ainda com a agravante de na sua turma estarem também mais de dois alunos com NEE”. 
“Cada miúdo vai frequentar a escola e vai fazer o seu percurso, mas todos têm de ter condições garantidas para o fazer, e estes miúdos não têm. Acontece o mesmo com os miúdos sobredotados. Nós estamos sempre a ver a questão da inclusão do ponto de vista da deficiência, mas depois há os outros. Um miúdo sobredotado tem o mesmo problema, porque a escola está desenhada para uma média e tudo o que sai dessa média, para cima ou para baixo, não se encaixa, não tem acompanhamento suficiente”, considera.
Elsa Silvestre completa ainda que “ao nível da operacionalização são muitas as questões, nomeadamente a grande zona de abrangência do CRI, com grandes distâncias entre si. O facto de a maioria dos técnicos ter de se deslocar entre cinco ou mais agrupamentos, a incompatibilidade entre os horários de apoio terapêutico e horários letivos dos alunos, entre outros aspetos”.
O caminho alcatroado, ladeado de árvores, leva até Beringel. É aqui que Afonso Matos, nove anos, vive e estuda, mas em relação ao seu quadro clínico, e em comparação ao ano passado, a situação agravou-se. É portador de trissomia 21 e recentemente foi-lhe diagnosticada epilepsia. “O Afonso não está nada bem”, é assim que Dulce Matos, mãe, começa a conversa, já com os olhos rasos de lágrimas, que tenta segurar, olhando para cima, para que não lhe caiam pelo rosto.
“Está muito complicado. O acompanhamento para o Afonso precisa agora de ser outro. A qualquer momento ele pode ter uma convulsão e precisa de muito mais vigilância, mas a situação está difícil. A carga horária foi completamente reduzida e é aqui que está a minha revolta. O Afonso precisa de mais tempo, precisa de um outro acompanhamento”. 
A medicação que o Afonso está agora a tomar também lhe tem alterado o comportamento. “Tem dias que está completamente agitado e isso revolta-o. Não se sente bem. Tem dias que está mesmo em baixo e isso deixa-me completamente arrasada. Não sei como o posso ajudar mais, como o poderão ajudar mais”. 
Dulce Matos faz a sua vida em função do pequeno Afonso. “Todo o meu tempo é para ele, não posso trabalhar”. Em compensação, garante, ganhou “um filho extraordinário, amigo, dócil e sensível”. 
“Nós queremos o melhor para os nossos filhos, queremos que lhe deem as melhores condições, daí não nos podermos conformar com as escassas horas dedicadas as estas crianças”. 
Alexandru Negirneac, oito anos, ainda não deixou de fazer o percurso para a escola de táxi. A bordo segue também a sua mãe, Ângela Machidon. Há anos que é assim, o que significa que os seus pais ainda não conseguiram uma casa social, em Beja, como desejavam há um ano. Residem ainda num monte perto de Baleizão.
“O Alexandru esteve muito mal, mas felizmente recuperou, depois de ter estado internado, em Lisboa, e fez progressos. O Alexandru já brinca, coisa que nunca tinha feito até aqui. Antes estava sempre a gritar, sempre com a cabeça encostada no meu peito e agora brinca, já não chora tanto”, refere Ângela, com um sorriso. 
“Não, ainda não trabalho. Os horários do Alexandru não me permitem. Entretenho-me na cidade, como posso, à espera que o Alexandru saia da escola”, diz, e agora o sorriso esmorece, tal como esmorece quando se fala da cadeira de rodas nova que chegou para o Alexandru, mas que desde o primeiro dia não deixou de dar problemas, voltando para trás para reparação. 
A Alexandru tinha sido diagnosticado síndrome de West, mas o último relatório revelou síndrome Lennox–Gastaut. “Ele está com mais energia, mas em compensação tem menos horas de fisioterapia dedicadas a ele. Como pode ser?”. O Alexandru não anda e só diz uma única palavra: “Mama”. “Por semana tem uma hora de terapia da fala, uma hora de fisioterapia e uma hora de psicomotricidade. Estas horas foram definidas pelo Ministério da Educação. Agora que ele melhorou um bocadinho, que precisa de ser trabalhado, tem estas horas, como pode ser?”, volta a questionar-se Ângela. 
“É de lamentar que não se tenha em conta a especificidade dos apoios de que cada uma destas crianças necessita, pois estipular 30 minutos poderá comprometer os objetivos a alcançar a nível terapêutico, e é completamente insuficiente para qualquer uma destas crianças”, considera, por sua vez, Elsa Silvestre.
Estas mães garantem, agora, que vão agarrar-se à legislação, que vão expor cada situação individualmente e reclamar, por mais apoios, mas também por mais auxiliares de educação, pois, em seu entender, também estão em número reduzido.


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